sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Psicologia na Floresta - seus Símbolos e Mitos por Philippe Bandeira de Mello

                                                         PSICOLOGIA NA FLORESTA
                                                          SEUS SÍMBOLOS E MITOS
                 
                                                            Philippe Bandeira de Mello
    
Ao principiarmos estas reflexões recordamos o dito de Jung: “Muita coisa só se torna inconsciente porque nossa concepção do mundo não lhe dá espaço, porque nossa educação e formação jamais lhe deram estímulo e, se alguma vez apareceu no consciente como eventual fantasia, foi imediatamente reprimida. Os limites entre consciente e inconsciente são em grande parte determinados por nossa cosmovisão.” Isso significa que nossa visão de mundo é seletiva, parcial e, portanto, excludente. Na perspectiva de Jung, o que foi excluído, o manancial do inconsciente, é muito mais do que imaginamos: não é apenas material reprimido. O seu alcance é muito maior do que supomos.
   
Iniciaremos nosso percurso recordando o credo de D. H. Lawrence:
     “Eis aquilo em que creio, diz ele:
      -Que eu sou eu.
      -Que minha alma é uma floresta sombria.
      -Que o que eu conheço é apenas uma pequena clareira na floresta.
      -Que deuses, estranhos deuses, vão da floresta para a clareira do eu conhecido, e depois se afastam.
      -Que devo ter coragem de deixá-los ir e vir.
      -Que não deixarei jamais o meu pequeno ego me dominar, mas sempre tentarei reconhecer os deuses que estão em mim e a eles me submeter, assim como àqueles que estão em outros homens e outras mulheres.”
  
 A psicologia junguiana desemboca em uma perspectiva acerca da alma humana e da relação entre o consciente e o inconsciente, que estão perfeitamente expressas neste credo do famoso autor. Não nos admiremos do fato de que, quando vamos estudar os sonhos, contos e lendas folclóricos e os mitos, nos deparamos uma equação constante de a Floresta representar o imenso manancial de tesouros arquetípicos, de potencialidades latentes, de fatores poderosamente influentes em nossas vidas, escondidos por detrás de nossa realidade psicológica e imaginária, de recursos desconhecidos ou olvidados que constituem, não somente um continente inexplorado como uma fonte dotada de inimaginável quantidade de dados preciosos para melhorar nossa qualidade de vida, como também decisivo de ser conhecido para a solução dos graves problemas que atravessa a humanidade em nossos dias: o desmatamento, a poluição, degradação ambiental a dilapidação dos recursos do planeta, sem falar nas guerras, corrupção, distúrbios e violência social, lixo, poluição e devastação psicológicos, que se apresentam de diversas formas, culminando nas dificuldades de promoção da paz e cooperação, em mais larga escala, pela fragmentação do saber, e pela exclusão das dimensões planetárias, transpessoais e espirituais da psique humana.
   
Conforme nos esclarece Edgar Morin: “Há inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas, e, por outro lado, realidades ou problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais, planetários.” Continua ele, fazendo agudo diagnóstico de uma dramática situação da modernidade: “O enfraquecimento de uma percepção global leva ao enfraquecimento do senso de responsabilidade- cada um tende a ser responsável apenas por sua tarefa especializada- , bem como ao enfraquecimento da solidariedade- ninguém mais preserva seu elo orgânico com a cidade e seus concidadãos.” Ao diagnóstico realizado por ele nosso estudo apresenta alguns caminhos e soluções. 
   
Encontramos diferentes abordagens e leituras, possivelmente complementares acerca de como poderemos interpretar esta “floresta” interior, psicológica, que urge decifrar para nos auxiliar em nossa relação com a floresta exterior, o mundo que nos cerca.
  
Temos uma primeira versão que nos exorta a vermos a floresta, com seus símbolos e mitos, como dimensão ancestral, regressiva, pré-lógica, irracional, formulada com conceitos diretamente inspirados pelas percepções mais imediatas, “mágicas”, isto é, supersticiosas, da realidade. Baseiam-se em um pensamento primitivo, “selvagem”, ou regido pelo processo primário, por dimensões arcaicas e/ou infantis da psique. Esta interpretação gera sérias e profundas conseqüências: Associada à arrogância da perspectiva racionalista moderna fundada no antigo paradigma newtoniano-cartesiano, entre equivocadas interpretações etnocêntricas das religiões, das culturas antigas e dos saberes ancestrais em geral, estende, inclusive, o tom depreciativo geral até mesmo às terapias complementares, medicinas tradicionais/populares ou paralelas, como as designa o etnopsiquiatra François Laplantine. Ora, mais uma vez como ocorre em outras esferas da Psicologia, isso presta um desserviço ao entendimento dos fundamentos e do valor inapreciável dos saberes antigos das florestas, dos conhecimentos ancestrais guardados pelos pajés, caboclos, benzedeiras, etc., com toda a fundamentação científica ainda não desvendada que está por detrás da eficácia desses saberes.
   
Mais uma vez, percebemos que a maneira como vamos interpretar tais experiências tem repercussão incalculável nas práticas clínicas e pedagógicas, que são derivadas de uma limitada visão da psique. Ao ampliarmos nossa visão, teremos novas chances de aprimorar nossas práticas e as políticas públicas dela derivadas.

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